Estresse infantil: quais as consequências para o desenvolvimento?

O estresse infantil, especialmente quando intenso, prolongado ou vivenciado em fases críticas do desenvolvimento, pode ter efeitos significativos sobre a saúde física e mental ao longo da vida. Dentro desse contexto, um estudo realizado por Agorastos e colaboradores (2019), abordou dois conceitos centrais, evidenciando como eles se relacionam com diversas questões relevantes nesse cenário: o Estresse Precoce da Vida (ELS) e o Trauma Infantil (CT). Enquanto o ELS abrange uma ampla gama de experiências adversas e estressantes vividas desde o período pré-natal até a adolescência (como negligência, perda parental, pobreza extrema ou violência), o CT representa uma forma mais específica e grave de ELS. O CT é caracterizado por eventos traumáticos que ameaçam a integridade física ou emocional, provocando terror, horror ou desamparo e excedendo a capacidade de enfrentamento da criança, como abuso físico ou sexual, acidentes graves, desastres naturais, violência testemunhada e entre outras adversidades.

O que é o estresse?

Estresse é definido como o estado de equilíbrio homeodinâmico ameaçado do organismo. Reações de estresse inadequadas, excessivas ou prolongadas podem exceder a capacidade adaptativa natural do organismo e afetar permanentemente as respostas ao estresse. A exposição excessiva ao estresse, especialmente em estágios de desenvolvimento sensíveis (como a primeira infância), pode levar a um estado fisiológico alterado, com efeitos profundos no desenvolvimento físico e mental (Agorastos et al., 2019).

Efeitos na saúde mental e física

Estudos mostram que ELS/CT estão associados a um maior risco de transtornos mentais (como depressão, esquizofrenia e transtorno de estresse pós-traumático), além de comportamentos de risco como abuso de substâncias e tentativas de suicídio. No âmbito físico, essas experiências aumentam o risco de doenças cardiovasculares, inflamatórias, metabólicas, pulmonares e dores crônicas. Vale destacar que, os ELS/CT correspondem a um grande imbróglio para sociedade, dado que cerca de 30-40% da população adulta já experienciou algum tipo de sofrimento acentuado na infância, o que expõe uma condição que urge ser mitigada (Scher et al.,2004).

ELS/CT raramente ocorrem isoladamente

Convém salientar que, é comum que essas experiências traumáticas sejam recorrentes e acompanhadas por outros fatores de risco (como pobreza, ausência parental, doenças mentais dos cuidadores ou dependência química), o que gera um ambiente com múltiplos estressores e efeitos cumulativos.

Impactos biológicos do ELS/CT

Considerando a complexidade da temática, o estudo de Agorastos e colaboradores (2019) evidenciou os aspectos e impactos neurobiológicos envolvidos:

1- Eixo HPA: o sistema de estresse humano

O ELS afeta sistemas neurobiológicos essenciais, especialmente o eixo HPA (hipotálamo-hipófise-adrenal), responsável por regular a resposta ao estresse. A desregulação crônica do eixo HPA está fortemente associada a transtornos como depressão, pânico, anorexia e alcoolismo. A primeira infância e a adolescência são períodos especialmente vulneráveis a essas alterações.

2- Sistema imune e processos inflamatórios

O estresse desregulado pode comprometer o sistema imunológico, o que leva a inflamações crônicas, envelhecimento precoce e maior suscetibilidade a doenças autoimunes ou imunossuprimidas. A inflamação persistente de baixo grau, característica em adultos com histórico de ELS/CT, contribui para o desenvolvimento de diversas condições físicas e mentais.

3- Telômeros e envelhecimento biológico

O ELS/CT tem sido associado ao encurtamento dos telômeros – estruturas que protegem o DNA e indicam o envelhecimento celular. Telômeros mais curtos estão ligados ao envelhecimento precoce, maior risco de doenças e aumento da mortalidade.

4- Metabolismo e obesidade

A exposição ao estresse precoce também afeta negativamente o metabolismo. Alterações hormonais ligadas ao eixo HPA promovem maior apetite, acúmulo de gordura visceral, resistência à insulina e alterações nos níveis de colesterol. Esses indivíduos apresentam maior prevalência de obesidade, síndrome metabólica, alimentação emocional e distúrbios hormonais.

5- Sono e saúde

O ELS/CT está associado a uma série de distúrbios do sono na vida adulta, como insônia, apneia do sono, pesadelos e sono fragmentado. A privação do sono contribui para a disfunção do eixo HPA e aumenta o risco cardiovascular, além de afetar a regulação emocional e a consolidação da memória.

Conclusão

Em suma, as evidências científicas mostram que o estresse precoce e os traumas infantis têm efeitos duradouros e sistêmicos, de modo que afetam profundamente a saúde mental e física ao longo da vida. No campo da saúde mental, compreender o desenvolvimento humano, o contexto de vida e as experiências individuais é fundamental para identificar riscos específicos e promover intervenções mais eficazes – tanto no âmbito psicoterapêutico quanto na avaliação neuropsicológica. Diante disso, o cuidado com a infância deve ser uma prioridade nas políticas de saúde pública.

Referências bibliográficas:

AGORASTOS, Agorastos et al. Developmental Trajectories of Early Life Stress and Trauma: A Narrative Review on Neurobiological Aspects Beyond Stress System Dysregulation. Frontiers in Psychiatry, [s. l.], 10 mar. 2019.

D. SCHER, Christine et al. Prevalence and demographic correlates of childhood maltreatment in an adult community sample. Child Abuse & Neglect, [s. l.], 24 set. 2003.