Comorbidades no Transtorno do Espectro Autista: o que sabemos até agora?

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento marcada por dificuldades precoces na comunicação e na interação social, além de padrões repetitivos de comportamento (APA, 2022). No entanto, a complexidade do TEA vai além de seus critérios diagnósticos principais. Uma característica amplamente reconhecida é a presença de condições concomitantes – psiquiátricas, médicas e neurológicas – que tornam o diagnóstico e o tratamento mais desafiadores e, muitas vezes, mais custosos.

Uma recente revisão sistemática e meta-análise conduzida por Micai e colaboradores (2023) reuniu dados robustos sobre essas condições concomitantes (CCs), permitindo observar que são altamente prevalentes em pessoas autistas, impactando diretamente a qualidade de vida e o funcionamento adaptativo desde a infância até a vida adulta. Apesar disso, ainda não há uma estimativa única e válida que represente o espectro completo de comorbidades associadas ao TEA, tanto em crianças quanto em adultos.

Além disso, a pesquisa revelou um padrão importante: a maioria das CCs ocorre com mais frequência na população autista do que na população geral, e sua prevalência varia de acordo com a faixa etária.

Comorbidades psiquiátricas mais comuns

Entre as condições psiquiátricas, o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) lidera com as maiores taxas de prevalência, seguido por:

  • Transtornos de ansiedade

  • Transtornos do sono-vigília

  • Transtornos disruptivos/de controle de impulsos

  • Transtornos depressivos

  • Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)

  • Transtornos bipolares

  • Transtornos do espectro da esquizofrenia

Essas comorbidades estão associadas a um agravamento dos sintomas do TEA, maior comprometimento no funcionamento adaptativo e pior qualidade de vida.

Comorbidades médicas e neurológicas

Além das condições psiquiátricas, pessoas autistas também apresentam maior prevalência de:

  • Epilepsia

  • Distúrbios do sono

  • Problemas gastrointestinais

  • Distúrbios motores

  • Obesidade e sobrepeso

  • Condições autoimunes

  • Deficiências sensoriais

  • Distúrbios de alimentação e nutrição

Notavelmente, algumas dessas condições apresentam prevalência diferenciada conforme a faixa etária. Por exemplo, TDAH e distúrbios do sono são mais comuns em crianças e adolescentes. Já em adultos autistas, há maior prevalência de depressão, epilepsia, distúrbios gastrointestinais, déficits motores e auditivos.

Por que isso importa?

As comorbidades podem amplificar os sintomas do TEA, confundir o diagnóstico, atrasar intervenções e gerar sofrimento evitável. Embora sejam bastante frequentes, a literatura científica atual ainda concentra a maior parte dos estudos na infância, havendo menos investigações dedicadas à vida adulta – fase em que algumas condições concomitantes podem emergir ou se intensificar. Isso reforça a importância de um cuidado contínuo e ajustado às diferentes etapas do desenvolvimento.

Para profissionais de saúde, entender a prevalência das CCs é essencial para conduzir avaliações mais completas, formular planos de cuidado personalizados e oferecer intervenções eficazes. Para cuidadores e familiares, esse conhecimento auxilia na busca por apoio adequado, melhora o enfrentamento e fortalece a rede de suporte.

Em suma, nota-se que as comorbidades no TEA são mais comuns do que se observa na população geral e podem afetar de maneira significativa tanto a saúde quanto o funcionamento global de pessoas autistas. Reconhecer essas condições, avaliá-las com precisão e tratá-las com estratégias direcionadas deve ser uma prioridade em qualquer plano terapêutico. A promoção de triagem, diagnóstico e cuidado integrativo em todas as fases da vida é essencial para favorecer melhores desfechos em saúde, funcionalidade e qualidade de vida para essa população.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

MICAI, Martina et al. Prevalence of co-occurring conditions in children and adults with autism spectrum disorder: A systematic review and meta-analysis. ELSEVIER, [s. l.], 1 dez. 2023.

Associação Psiquiátrica Americana. (2022). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (5ª ed., Texto Revisado).