Inteligência e crises existenciais: por que adultos com altas habilidades são mais vulneráveis?

O sentido da vida é um fator essencial para o bem-estar humano. Estudos mostram que pessoas que percebem suas vidas como significativas apresentam melhor saúde mental e física, enquanto a falta de propósito pode desencadear sofrimento psicológico. Esse estado de vazio e questionamento existencial é chamado de crise existencial, e está relacionado a sintomas como depressão, ansiedade, desesperança e até ideações suicidas.

Uma pesquisa conduzida por Vötter (2019) investigou como essa crise se manifesta em dois grupos distintos de indivíduos talentosos: adultos com altas habilidades intelectuais e com alto desempenho acadêmico.

O que é uma crise existencial?

A crise existencial ocorre quando a pessoa percebe conscientemente que sua vida perdeu coerência, direção ou pertencimento. Esse estado doloroso costuma surgir após eventos críticos, como perda de emprego, divórcio ou doença.

Indivíduos que vivenciam essa condição frequentemente descrevem suas vidas como frustrantemente vazias e sem propósito. Além do sofrimento emocional, pesquisas mostram que a crise existencial está associada a menor resiliência, motivação e satisfação com a vida, além de maior pessimismo e afeto negativo.

Inteligência, desempenho acadêmico e realização existencial

Embora frequentemente confundidos, adultos com altas habilidades intelectuais e adultos com alto desempenho acadêmico não formam um único grupo. Estudos sugerem que eles compartilham algumas características, mas apresentam trajetórias distintas.

Enquanto a maioria dos que possuem alto desempenho acadêmico tende a vivenciar realização existencial, os que possuem altas habilidades apresentam risco elevado de frustração existencial. Dados apontam que cerca de 15% dos indivíduos com altas habilidades relatam crise existencial – uma frequência quase quatro vezes maior do que entre adultos de alto desempenho acadêmico e da população em geral (Vötter, 2019).

Além disso, pesquisas mostram que adultos superdotados podem apresentar maior vulnerabilidade a problemas psicossociais, como transtornos afetivos, compulsividade, dificuldades de identidade e baixo senso de coerência.

O papel da resiliência e do autocontrole

O estudo examinou como resiliência e autocontrole atuam na relação entre crise existencial e bem-estar subjetivo.

  • Resiliência é a capacidade de lidar e se recuperar diante das adversidades.

 

  • Autocontrole é a habilidade de regular pensamentos, emoções e comportamentos indesejados.

 

Os resultados revelaram diferenças importantes entre os grupos:

 

  • Entre os que possuem altas habilidades, a resiliência foi o principal fator de proteção frente à crise existencial.

 

  • Entre os que possuem alto desempenho acadêmico, o autocontrole mostrou-se mais relevante para a manutenção do bem-estar.

 

O que esses achados nos mostram?

Essas descobertas apontam que as necessidades psicológicas de indivíduos talentosos variam de acordo com seu perfil.

  • Adultos com altas habilidades podem se beneficiar de intervenções que fortaleçam sua capacidade de enfrentamento e resiliência.

 

  • Já adultos com alto desempenho acadêmico podem ser apoiados por estratégias que ampliem o autocontrole e a regulação emocional.

 

Essa diferenciação é essencial não apenas para futuras pesquisas, mas também para programas de desenvolvimento de talentos e para o aconselhamento psicológico, que podem ajudar esses indivíduos a alcançar seu potencial e viver de forma plena.

Reconhecer essas especificidades e oferecer apoio adequado, seja no fortalecimento da resiliência ou no desenvolvimento do autocontrole, é fundamental para promover saúde mental, bem-estar e, consequentemente, permitir que indivíduos talentosos contribuam plenamente para a sociedade.

Referências bibliográficas:

VÖTTER, Bernadette. Crisis of Meaning and Subjective Well-Being: The Mediating Role of Resilience and Self-Control among Gifted Adults. Behav. Sci., [s. l.], 26 dez. 2019.