Paracetamol na gravidez: o que dizem as evidências científicas

O acetaminofeno (paracetamol) é amplamente utilizado para controlar dor e febre na gravidez. A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA e a Agência Europeia de Medicamentos consideram que o medicamento apresenta risco mínimo nesse período.

No entanto, em 2021, uma declaração de consenso elaborada por cientistas e médicos internacionais recomendou que gestantes evitem o uso de paracetamol, a menos que seja clinicamente necessário. Essa precaução foi sugerida devido ao risco potencial de transtornos do desenvolvimento, como autismo e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH).

Limitações de estudos anteriores

Estudos que apontaram associações entre o uso de paracetamol e distúrbios do neurodesenvolvimento apresentaram algumas limitações. Um dos fatores é a confusão por indicação: o medicamento pode ter sido utilizado para condições que já representam risco para esses transtornos, como infecção, febre, enxaqueca ou dores relacionadas a doenças autoimunes.

Outro ponto importante é a influência genética e de saúde parental. Distúrbios do neurodesenvolvimento são altamente hereditários, e gestantes que usaram acetaminofeno relataram maior prevalência de condições de saúde associadas a esses transtornos em comparação às que não usaram. Além disso, o uso de múltiplos medicamentos durante a gestação pode ser um fator de confusão adicional.

Por fim, muitos desses estudos tinham amostras pequenas, o que resultou em estimativas inconsistentes e imprecisas.

O que as evidências científicas apontam

O estudo mais atual, conduzido por Ahlqvist e colaboradores (2024), analisou o uso de paracetamol durante a gravidez em quase 2,5 milhões de crianças na Suécia. Foram utilizados registros pré-natais e de prescrição, além de diagnósticos clínicos de autismo, TDAH e deficiência intelectual. Um ponto forte foi a comparação entre irmãos, que permitiu controlar fatores familiares de confusão não observados.

Principais achados

Os resultados mostraram que a associação entre o uso de paracetamol durante a gestação e distúrbios do neurodesenvolvimento é não causal. Gestantes que usaram mais o medicamento apresentavam diferentes características de saúde e sociodemográficas em comparação às que usaram pouco ou nenhum.

Não foi identificado um único fator de confusão responsável, mas sim um conjunto de variáveis que explicaram parte da associação aparente. Além disso, as análises entre irmãos reforçaram a influência de fatores familiares compartilhados, embora eles não tenham sido identificados individualmente.

O papel da genética

A genética aparece como um possível fator de confusão não medido. Alguns estudos anteriores dão suporte a essa interpretação:

  • No Estudo Longitudinal de Pais e Filhos da Avon, o risco poligênico de TDAH dos pais esteve associado ao uso de paracetamol durante a gravidez.

 

  • O Estudo de Coorte Norueguês (MoBa) mostrou que o risco poligênico de TDAH se relacionava à dor na gestação, enxaqueca e uso de analgésicos, incluindo o paracetamol, enquanto o risco poligênico de autismo esteve associado à enxaqueca.

 

  • Já o Estudo do Meio Ambiente e das Crianças do Japão indicou que traços autistas dos pais estavam ligados a maior intensidade de dor pré-natal.

 

Esses achados reforçam que o uso de paracetamol pode refletir condições de saúde e características genéticas dos pais, e não ser a causa direta dos desfechos observados.

Nessa lógica, nota-se que o estudo conclui que o uso de paracetamol durante a gravidez não foi associado ao risco de autismo, TDAH ou deficiência intelectual em análises de controle entre irmãos. Assim, as associações observadas em estudos anteriores provavelmente se devem a fatores de confusão, e não ao uso do medicamento em si.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGŔAFICAS:

AHLQVIST, Viktor H. et al. Acetaminophen Use During Pregnancy and Children’s Risk of Autism, ADHD, and Intellectual Disability. JAMA, [s. l.], 1 abr. 2024.