Desadaptar-se para adaptar-se?

O que as evidências preliminares da eficácia da Terapia do Esquema para o tratamento de adultos autistas nos ensinam sobre os desafios psicológicos vivenciados por essa população

por Mariana Atheniense e Annelise Júlio-Costa

Neuropsicoterapia (www.neuropsicoterapia.com.br)

O mês de abril é dedicado à promoção da conscientização em relação ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) e, sobretudo às experiências, tanto as positivas, como as mais desafiadoras, vivenciadas pelas pessoas autistas. Essa discussão torna-se ainda mais relevante quando nos recordamos do fato de que a prevalência dos transtornos de saúde mental, que já abrange cerca de 10% da população mundial, (OMS, 2022) se multiplica quando se trata dos indivíduos dentro do espectro (Hudson et al., 2019).

Diante desse preocupante cenário, é compreensível que tem havido um movimento, cada vez mais expressivo, em busca de abordagens e técnicas terapêuticas que melhor atendam às demandas das pessoas diagnosticadas com TEA (Hyman et al., 2020). Nesse contexto, uma das abordagens que têm sido consideradas promissoras para o tratamento de adultos autistas é a Terapia do Esquema (TE).

Desenvolvida por Jeffrey Young na década de 90, a Terapia do Esquema parte do pressuposto de muitos dos sintomas internalizantes e comportamentos disfuncionais dos indivíduos, sobretudo diante de situações adversas, estão relacionados ao que a teoria denomina como “esquemas desadaptativos precoces”, padrões mal adaptativos e pervasivos de pensamento a respeito de si, do outro e do mundo, que as pessoas desenvolvem geralmente na infância e/ou adolescência e cujo impacto se prolonga ao longo da vida. (Genderen et al.,2012; Young & Klosko., 2019). Esses esquemas podem se originar de diversas formas, principalmente quando houve uma frustração ou não atendimento das necessidades emocionais (vínculos seguros, validação das emoções, limites realistas, autonomia e lazer, por exemplo) da criança ou jovem, e/ou a partir de experiências traumáticas, do excesso de indulgências e/ou de uma sobrecarga de responsabilidades durante a infância e/ou adolescência.

A Terapia do Esquema busca identificar os esquemas desadaptativos dos pacientes, entender como eles foram desenvolvidos, e modificar os pensamentos e comportamentos que os sustentam, por meio de técnicas cognitivas, comportamentais e experienciais (Young et al., 2008). Contudo, vale lembrar que os esquemas surgem como resultado da interação entre as características neurobiológicas inatas do indivíduos e o contexto em que ele está inserido, bem como as aprendizagens adquiridas nesse meio.

Nesse sentido, sabe-se que sabe-se que, de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM 5-TR), o Transtorno do Espectro Autista é um transtorno do neurodesenvolvimento é caracterizado por 2 principais núcleos de dificuldade: dificuldades de comunicação e interação social e padrões de comportamento e pensamento rígidos e repetitivos. Essas características podem se manifestar de diversas formas, muitas vezes disfuncionais. As dificuldades de socialização podem levar o indivíduo a adotar um comportamento de maior inibição e/ou receio de estar sendo inadequado em determinada interação. Por outro lado, a rigidez cognitiva típica do segundo núcleo pode fazer com que o autista se fixe em determinado pensamento ruminativo e potencialize seus sintomas internalizantes e suas crenças disfuncionais.

Não obstante, sabe-se que muitos autistas desenvolvem esses sintomas e crenças como consequência de um comportamento de “camuflagem” das suas características, afim de se adaptarem ou de se sentirem mais acolhidos e validados em um mundo predominantemente neurotípico (Rynkiewicz et al., 2019). Trata-se, portanto, paradoxalmente, de uma estratégia que, na tentativa de adaptação, acaba por ser mal adaptativa. Desse modo, compreende-se a hipótese de que pessoas no espectro estão vulneráveis a desenvolver esquemas desadaptativos precoces e, assim, compreende-se o interesse, cada vez maior, dos pesquisadores e clínicos, em estudar a eficácia da TE para intervenções relacionadas ao TEA. Mas, afinal, o que as evidências nos afirmam? 

Os estudos a respeito do potencial da Terapia do Esquema para o tratamento de adultos autistas ainda são bastante incipientes. Em uma revisão publicada em 2024 (Vuijik et al.,2024), foram identificadas somente 11 publicações de pesquisas sobre o tema, todas publicadas desde 2014. Dentre as pesquisas, foram encontradas descrições de um treinamento de interação social baseado na Terapia do Esquema para adultos autistas, protocolos e modelos conceituais de TE adaptados para as necessidades típicas da população no espectro, estudos de caso, e investigações sobre os principais esquemas desadaptativos precoces (EMSs) desenvolvidos pelos indivíduos com TEA. 

Os resultados apontam que os indivíduos autistas, na tentativa e na frustração de se adequarem às expectativas sociais de um meio neurotípico, desenvolvem esquemas negativos sobre si mesmos, os outros e o mundo que são potencializados por contratempos diários e eventos estressantes. Por outro lado, na medida em que esses mesmos indivíduos passam por treinamentos de habilidades sociais e intervenções terapêuticas baseadas na Terapia do Esquema, eles relatam desenvolver crenças mais funcionais, melhor autoestima, menos sentimentos e pensamentos ansiosos e mais habilidades para lidar com a interação social. 

A análise dos estudos, portanto, apesar de ser preliminar e de ter limitações consideráveis (relacionadas com a generalização dos resultados para outras culturas, grupos etários e populações com comorbidades intelectuais e clínicas, por exemplo), sugere que a Terapia de Esquema pode ser viável e benéfica para adultos autistas, o que indica uma possível via para lidar com os desafios psicológicos comumente experimentados por essa população. De modo ainda mais relevante, esses desafios ficam cada vez mais evidentes e urgentes de serem discutidos e trazidos para a conscientização pública contra os estigmas, preconceitos e capacitismos relacionados ao espectro. Que este 2 de abril seja um importante passo nesse sentido.

 

REFERÊNCIAS:

Hudson, C. C., Hall, L., & Harkness, K. L. (2019). Prevalence of depressive disorders in individuals with autism spectrum disorder: A meta-analysis. Journal of abnormal child psychology, 47, 165-175.

Hyman, S. L., Levy, S. E., & Myers, S. M. (2020). Council on Children with Disabilities, Section on Developmental and Behavioral Pediatrics. Identification, evaluation, and management of children with autism spectrum disorder. Pediatrics, 145(1), e20193447.

Ruiz Calzada, L., Pistrang, N., & Mandy, W. P. (2012). High-functioning autism and Asperger’s disorder: Utility and meaning for families. Journal of autism and developmental disorders, 42, 230-243.

Rynkiewicz, A., Janas-Kozik, M., & Słopień, A. (2019). Girls and women with autism. Psychiatr Pol, 53(4), 737-752.

Taylor, C. D., Bee, P., & Haddock, G. (2017). Does schema therapy change schemas and symptoms? A systematic review across mental health disorders. Psychology and Psychotherapy: Theory, Research and Practice, 90(3), 456-479.

Vuijk, R., Turner, W., Zimmerman, D., Walker, H., & Dandachi‐FitzGerald, B. (2024). Schema therapy in adults with autism spectrum disorder: A scoping review. Clinical Psychology & Psychotherapy, 31(1), e2949.Young, J. E., Klosko, J. S., & Weishaar, M. E. (2009). Terapia do esquema: guia de técnicas cognitivo-comportamentais inovadoras. Artmed Editora.