Autismo e Saúde Mental: uma importante discussão

A Campanha do Setembro Amarelo nos convida a uma discussão importante a respeito da importância da preservação da saúde mental e da prevenção de comportamentos autolesivos e suicidas. Contudo, quando se trata da população pertencente ao Transtorno do Espectro Autista, a conversa a respeito desses temas ainda é muito recente, embora cada vez mais necessária e urgente.

 

Se, de acordo com o levantamento publicado pela da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2022, mais de um bilhão de pessoas sofrem com algum transtorno de saúde mental, o que equivale a cerca de 10% da população mundial, essa triste prevalência se multiplica na população de indivíduos autistas (Hudson et al., 2019). 

O Transtorno depressivo maior, por exemplo, quadro clínico que acarreta prejuízos na funcionalidade de um indivíduo nas suas mais diversas tarefas diárias, de modo a impactar significativamente o seu bem-estar e a sua qualidade de vida como um todo (CAYON, 2017), acomete quatro vezes mais pessoas com autismo do que a população em geral, e é a condição de saúde mental mais comum entre elas (Hudson et al., 2019). 

Algumas características típicas do Transtorno do Espectro Autista (TEA) inclusive se sobrepõem à depressão, o que torna a detecção desse segundo quadro mais difícil de ser feita entre os indivíduos autistas (RUGGIERI, 2020) . Por exemplo, sabe-se que, de acordo com o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM 5-TR), o autismo é caracterizado por 2 principais núcleos de dificuldade: 

  • dificuldades de comunicação e interação social 
  • padrões de comportamento e pensamento rígidos e repetitivos. 

Em alguns pacientes, o primeiro núcleo pode se refletir em uma postura social mais inibida e um menor interesse por interagir com pares, o que também é observado em pessoas com depressão. O mesmo vale para autistas que manifestam o segundo núcleo por meio de uma dificuldade de flexibilizar o pensamento para pensar um problema por meio de diferentes perspectivas e possibilidades de solução, assim como ocorre no Transtorno depressivo maior.

Por outro lado, a depressão também possui modos mais específicos de se manifestar em pessoas do espectro. Os autistas tendem a apresentar com mais frequência sintomas de inquietação e insônia do que melancolia e tristeza (Montazeri et al., 2019). Mas afinal, o que explica essa comorbidade tão comum?

Em um mundo predominantemente neurotípico, pode ser extremamente desgastante para o indivíduo autista manejar suas dificuldades para se ajustar a diversos contextos, sejam eles acadêmicos, profissionais, afetivos, dentre outros, sem se sentir sobrecarregado cognitivamente, emocionalmente e até mesmo sensorialmente. Esse desgaste é ainda maior quando a pessoa tenta camuflar suas características com o objetivo de se ajustar ou de se sentir mais acolhido e validado pelos seus pares (Rynkiewicz et al., 2019).

Além disso, podemos listar alguns fatores de risco para a ocorrência de sintomas depressivos em indivíduos com TEA:

  • Gênero (a depressão é mais recorrente em mulheres autistas)
  • Fatores socioeconômicos
  • Ausência de redes de apoio adequadas

Como consequência dessa realidade comum e desafiadora para os autistas, não é de se surpreender que essa população também possui maior tendência de manifestar pensamentos e comportamentos de autoextermínio. Um estudo feito nos Estados Unidos constatou que, a partir de 2013, a taxa de suicídio em pessoas autistas tem aumentado cada vez mais e é três vezes maior do que em pessoas neurotípicas (Kirby et al., 2019).

 

 

Portanto, o debate a respeito da importância de cultivar e preservar a saúde mental deve transcender o mês de setembro e abranger as vivências das pessoas com TEA. É urgente acolher essa população e dar a ela o devido espaço para expressar suas dores e dificuldades. Além disso, é fundamental que o diagnóstico do Transtorno do Espectro do Autismo seja cada vez mais refinado, para que esses indivíduos recebam um atendimento especializado e assertivo. Podemos contar com você nessa missão?

REFERÊNCIAS:

American Psychiatric Association. (2023). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, 5ª edição, texto revisado : DSM-5-TR. Porto Alegre: Artmed.

Cayon, A. (2023). World Health Day 2017. Disponível em: https://www3.paho.org/hq/index.php?option=com_content&view=article&id=14978:world-health-day-2017&Itemid=0&lang=en. Acesso em 5 de setembro de 2023.

Hudson, C. C., Hall, L., & Harkness, K. L. (2019). Prevalence of depressive disorders in individuals with autism spectrum disorder: a meta-analysis. Journal of Abnormal Child Psychology, 47, 165-175.

Kirby, A. V., Bakian, A. V., Zhang, Y., Bilder, D. A., Keeshin, B. R., & Coon, H. (2019). A 20-year study of suicide death in a statewide autism population. Autism Research, 12, 658-666.

Montazeri, F., de Bildt, A., Dekker, V., & Anderson, G. M. (2019). Network analysis of behaviors in the depression and autism realms: Inter-relationships and clinical implications. Journal of Autism and Developmental Disorders, 49, 2219-2230.

Ruggieri, V. (2020). Autismo, depresión y riesgo de suicidio. Medicina (Buenos Aires), 80(Supl. 2), 12-16. Disponível em: http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0025-76802020000200004&lng=es&nrm=iso. Acesso em 5 de setembro de 2023.

Rynkiewicz, A., Janas-Kozik, M., & Słopień, A. (2019). Girls and women with autism. Psychiatria Polska, 53, 737-752.

 

Escrito por: Mariana Atheniense
Estagiária Neuropsicoterapia